4.11.2008

Inclassificáveis, Ney Matogrosso (1)

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Quando falei ao Ben-Hur Demeneck, amigo meu e colega do Mestrado em Jornalismo aqui da UFSC, que iria ter show do Ney Matogrosso no CIC (Centro Integrado de Cultura), aqui em Florianópolis, ele me disse que não perderia por nada o show. Confessei que não era o maior fã do ex-vocalista do Secos & Molhados; disse que a sua bixisse exagerada as vezes me incomodava e, assim sendo, só iria no show se fosse barato.

E não era barato. Mas o Ben-Hur resolveu ir no show, na última terça-feira à noite. Meio de brincadeira, falei que ele poderia escrever uma resenhazinha do show para colocar no blog, que anda devendo em matéria de resenhas de shows. O resultado foi que ele fez muito mais que uma "resenhazinha", um texto tão bom que me fez esquecer certos preconceitos com o Ney Matogrosso e até me deixar com um pouco de arrependimento por não ter pagado R$60,00 - meia entrada- para ver o espetáculo.

O texto, as fotos e o vídeo vocês podem ver aqui abaixo. Como o Ben-Hur caprichou também no tamanho do texto, preferi dividí-lo em duas partes, que serão publicadas um dia depois do outro. A primeira é essa aqui abaixo:





INCLASSIFICÁVEIS

AS CANÇÕES DE NEY MATOGROSSO - PARTE 1


por Ben-Hur Demeneck


O bilheteiro não estava num bom dia e já deixou claro:
_ Dia sete, do anúncio. Está esgotado!
Sequer o out-door de fora do CIC anunciava o espetáculo de Ney Matogrosso, e todos já souberam antes de mim. Era tarde de quarta-feira, cinco dias antes. Na edição daquele dia do Diário Catarinense, circulava uma reportagem do show “Inclassificáveis”. Em razão de tanta procura, veio a informação mais importante do dia:
_ Mas vai ter uma sessão extra, na terça. Sabe como é, muita gente procurando, não é?
Sei. E me veja um ingresso. O melhor lugar da sessão extra ainda foi na penúltima fileira do balcão principal. Logo depois da porta de entrada do auditório, à esquerda uns cinco passos. Não fosse a teleobjetiva da câmera, todas as imagens a seguir seriam apenas a de um palco enorme com uma surpreendente figura sob os holofotes:



A promessa do repertório incluía canções pop. Ney Matogrosso, autor tão versátil em estilos, pegara o gênero para fazer sua arte. O que se viu nos seguintes 90 minutos, sem direito a intervalo e orientações do técnico foi a sua conhecida presença de palco e detalhes e detalhes e detalhes. Figurino, cenografia, maquiagem, iluminação pedindo para receber a qualificação de impecáveis. Ali, não tem como sair sem perguntar “quem é que fez a direção?”. Essa complexidade toda não esconde o principal, a música. E a interpretação cênica e dançarina de Matogrosso.No balcão superior observavam atentas ao show, senhoras e casais que o ouviram quando ele surgiu com o grupo Secos e Molhados (em 1973). E elas então pensavam tanta coisa, naqueles 1970. Onde o músico se dava o direito de perguntar à ouvinte grávida de filho homem, se o seu filho ia combater quando crescesse. Agora, na platéia, o espaço também era ocupado por outras gerações. Jovens de 20 anos aguardavam ouvir ao vivo “Veja bem meu bem”, de Marcelo Camelo. Que ouviram pelos Los Hermanos. E queriam ouvir um Cazuza esclarecendo a quem duvidasse – “O tempo não pára”.


Em destaque no palco está um sofá vermelho. Sobre ele tecidos finos, coloridos. Dando uma canseira de olhar para ele, uma preguiça enorme. E de repente a sua cor trazia outros sentidos e a provocação de Matogrosso ao público. E o móvel servia para receber as roupas trocadas e para jogar malícia diante de olhos que não piscavam. Como nas esticadas sobre o estofado, enquanto epetia malemolente o refrão de “Mente, mente”, de Robinson Borba.

E me aperte furiosamente
Mente, mente, mente, mente
E me deixe alto, alto, alto...
Daí eu te prometo
Prometo sim
Te deixar
Mole, mole, mole...


“Inclassificáveis” faz um retorno de Ney Matogrosso aos palcos junto a uma banda de rock. O que não acontecia há 34 anos. Junto ao grupo, fazendo a direção musical e tocando piano e teclado, está um contemporâneo, Emilio Carrera. E no mesmo sofá, o cantor convida os músicos para sentaram com ele. Emilio, não, ele se mantém acomodado na banqueta de tecladista. E não caberiam todos. A banda completa é formada por Carlinhos Noronha (baixo), Júnior Meirelles (guitarra e violão), Sérgio Machado (bateria), DJ Tubarão (percussão e pick-up) e Felipe Roseno (percussão).



A imagem acima me lembrou muito a foto do disco do RPM (Rádio Pirata, 1986). Show que recebeu a direção de Ney Matogrosso. Tinha cinco anos e ficava sabendo o que queria dizer que “na China bebem Coca-Cola”. Me recordo daquele tempo via aquela imagem da capa. A música dispenso. Agora, Matogrosso entrou na jogada RPM, ao dirigir o espetáculo. E bem, questões musicais à parte, a banda aprendeu bem usar da estética com um mestre.
Com esses triângulos vermelhos e as riscas verticais do cenário, voltamos a 2008, quando o o espetáculo tem um ponto de virada. Com “Cavaleiro de Aruanda” há uma transição de canções românticas para um outro bloco temático. E o peso do batuque de candomblé dá o tom da mudança. O ritmo cênico também fica intenso. A letra incorpora palavras desse mundo de símbolos. O cantor está ornado de colares afro e tranças pendem da cintura. As roupas de antes pertencem a outro ciclo musical, que o sofá recorda com o repouso do figurino dourado. O principal de toda a noite.


Nesse ponto médio do espetáculo, eu enfim consegui fazer a ligação com as músicas. Até então eu não parecia estar envolvido com as interpretações. Ainda que tudo o que Ney fosse apresentar já estivesse exposto. A impressão era que ele a platéia se encontraram finalmente. E os observadores deixaram a passividade para reagir reagir em parceria com o artista. Enquanto havia essa modulação de comportamento, deu para divagar a respeito de uma dualidade no cantor. Reconheci por trás daquela figura solar a de um homem tímido. Dois gêneros distintos coabitando o mesmo corpo.

Não trocou palavras faladas com o público. Os músicos foram apresentados no início por uma voz em off. Não se disse boa noite de chegada. Não se disse boa noite de despedida. Mas foi à platéia, passou por diante dela. Estava ali uma personalidade organizada, operística. Sem espaço para o que não fosse estritamente artístico. Uma fragilidade estaria talvez na banda de apoio, que era composta de grandes músicos. Mas embora bons tecnicamente, como de se esperar, ficaram longe de disputar brilho com Matogrosso. E o desequilíbrio chegou a incomodar. A cena em que sentaram juntos no sofá sinalizou uma proximidade. Um momento de parceria. Porém, ainda assim não se ultrapassou as barreira para uma visibilidade. E diria até, para uma sintonia.

***

Amanhã, a parte dois do texto.


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6 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, sou amiga do Ben-Hur, tanto que fui ao show junto com ele, e saí no meio, muito indignada! Por uma série de razões.
Ney Matogrosso tem uma das vozes mais bonitas da MPB, mas, sei lá porque razão, nunca a explorou decentemente, embora diga que estudou, algo de que duvido. O show, montado na imagem do ícone gay, me deixou muito zangada: era a mesma imagem da época dos Secos e Molhados, e não mudou nada. Aliás, ele até DANÇA do mesmo jeito, arre égua!
Quando um espetáculo de MÚSICA se centra em outras coisas que não a música, fico mesmo muito pê da cara... E quando alguém da mesma faixa etária minha (tenho 62) vem com essa história de que "tou gatinho pra minha idade", fico mais cabreira ainda...Há outros gays na MPB ( Milton, Cazuza)que não usavam isso como bandeira, como escudo... Centravam-se na música, que é o que interessa.
Acho indesculpável, e acho mais ainda: precisa ser muito recalcado, pra achar que aquilo seja bom!
Foi um trauma! E o repertório daquele disco é sofrível...
bj pr'ocês.

Anônimo disse...

Excelente texto do Ben-Hur. Vc deu uma dentro ao publicá-lo, Leonardo. Ele conseguiu descrever em palavras muitas das sensações da platéia que ovacionou Ney no CIC. O que é mais fascinante em Ney, e que me faz cada vez mais admirá-lo, é que, apesar de toda beleza visual do espetáculo (cenografia, luz e figurinos excepcionais, não dá pra ser barato, como vc queria..rrssss) ele jamais descuida da qualidade do repertório, da voz (linda e afinadíssima), e da busca pela originalidade nas interpretações. "Inclassificáveis" é um show com "S" maiúsculo, e musicalmente excelente. Ney não se acomoda, é um perfeccionista nato e, cercado de ótimos músicos (como de costume), nos ofereceu um trabalho extremamente bem acabado, pensado, elaborado. Exibindo forma vocal e física invejáveis, Ney, sábio, "troca de pele" (literalmente) diante dos olhos fascinados do público, e o encanta com interpretações arrebatadoras tanto de canções já conhecidas (que soam como novas), como de inéditas. De "O tempo não pára" de Cazuza, à belíssima "Fraterno" de Pedro Luis, passando pela impressionante "Ode aos ratos" de Chico e Edu, e à genial canção-título de Arnaldo Antunes a gente viaja neste repertório e nas interpretações fortes do cantor. Os arranjos são deliciosos e bem sacados. A maioria das letras das canções são muito boas e formam um "texto", um mosaico de idéias muito interessantes, de um artista antenado com seu tempo, e o Ben-Hur soube captar isso. Leonardo, o Ben-Hur tem seu próprio blog? Caso ele tenha, gostaria que vc me informasse, por favor. Se não tem, deveria ter, pois ele escreve muito bem, tem uma gde clareza de idéias e sabe como expressá-las, coisa rara na Rede. Aguardo ansioso pela segunda parte do texto sobre "Inclassificáveis". Abração e obrigado!

Anônimo disse...

Pô, o Ben-Hur é fera mesmo, como me disse o Caio, o cara escreve muito! Já tinha lido outras coisas dele, mas esse texto sobre o fantástico Ney Matogrosso tá realmente lindo.
Assisti o show na estréia e fiquei impressionada com a performance de Ney, um cantor soberbo, que parece melhorar e se aprimorar a cada trabalho. Minha prima, que foi comigo, é mais velha que eu, e já estava acostumada a ir aos shows dele. Saiu dizendo que "quando a gente pensa que já viu tudo de Ney, ele nos surpreende novamente". O talento do cara parece inesgotável.
A voz dele é maravilhosa, cheia de nuances, e ele sabe usar os recursos muito bem.
Ouvi o CD, está ótimo, um pouco diferente do show, Ney está mais contigo -ele sabe bem diferenciar show de estúdio-, e é uma delícia curtir a voz dele em detalhes, longe da loucura do show.

Qto ao primeiro comentário... Afffff... neura pouca é bobagem rrrsssssss

Olha, eu também aguardo a segunda parte, hein!
Beijos pra todos.

Anônimo disse...

Comentariozinho horrendo e arrogante desta tal de Regina. Cheio de ódio e rancor. Dá pra entender:
Pessoas problemáticas costumam projetar suas frustrações pessoais em cima de artistas provocativos e ousados como Ney Matogrosso.
"Saí muito indignada..." kkkkkkkk, ridículo. Como pode alguem indignar-se com o talento alheio? Deve ser muito duro pra ela.
Mas a Ana, do comentário acima, disse tudo: "neura pouca é bobagem" kkkkkkkkkkkkk, tô morrendo de rir...
Tive uma virada de mês tumultuada, e não consegui ingressos pra ver Ney no CIC, mas pelo o que eu tenho ouvido, esse show deve ser especialíssimo. Meu cunhado, que mora em Curitiba, já comprou os ingressos e na quinta estou voando c/ meu marido pra lá, pra termos o prazer de ver e ouvir, mais uma vez, este grande intérprete. Assim eu conhecerei o Teatro Positivo, que -dizem- é lindo.
É isso aí, um belo palco pra um grande artista!

Ah, gostei do texto do Ben-Hur. Talentoso o rapaz... Entro no coro pela postagem da parte 2.

Felipe Lenhart disse...

Maravilha!
Confesso, porém, que, além de apoiar o Ben-hur, eu concordo com a Regina. Eles me entendem, ao seu modo. Um beijo à professora, um parabéns ao Leonardo e um brinde ao camarada Demeneck.

Anônimo disse...

Alguém deveria informar à esta "vetusta" senhora chamada Regina, que se ela se sente uma velha (e realmente deve ser) aos 62 anos, isso é problema dela. E eu diria que um problema triste.
Ney continua lindo, mantém o seu corpo expressivo e flexível, e não tem obrigação de escondê-lo para satisfazer pessoas neuróticas e infelizes, que ñ possuem uma relação saudável c/ seu próprio corpo.
A grande maioria do público, não reclama, não, do visual de Ney, cada vez mais bem elaborado e detalhista. Pelo contrário, aplaude e pede bis.

Em relação ao texto de Ben, gostei dessa primeira parte, apesar de não concordar c/ tudo. Os triangulos que aparecem num dos cenários (lindos!)de Milton Cunha, em nada me lembraram RPM. Que eu saiba, Ney inspirou-se na imagética indígena ao criá-lo, nas três linhas que se cruzam e formam a figura, um simbolo gráfico muito forte nesta cultura. Este momento anuncia um lado mais "tribal" do show, onde as estéticas afro e ameríndias se misturam, pra em seguida somarem-se à fauna urbana em "Ode a Ratos", já indicando a mistura que representamos, afinal, "somos INCLASSIFIÁVEIS".
Vou ler agora a segunda parte do texto, estou curiosa... até mais.