8.18.2006

Reportagem(8): O quinquagésimo terceiro renascimento do rock

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Uma breve historia do rock do novo século, ressurgido, propagado e já consolidado através da Internet.


O ano é 98, mas poderia ser também 99. As paradas obrigatórias para quem gostava de música eram as rádios e a MTV. Expressões como “gravar CD” ou “baixar música” eram pouco conhecidas. A palavra Internet, para grande parte da população, pertencia àqueles assuntos que já se ouvira falar, mas não se sabia onde, nem como e nem porquê. O rock no Brasil era Raimundos e sua “Mulher de fases”; no mundo, era os velhos U2, Rolling Stones (que vieram ao Brasil em 98) e os novos, e já em certa decadência, Oasis e Blur. E só. Quem mandava e desmandava nossos ouvidos nas paradas eram as famosas “boys & girls bands”, coisas como Backstreet Boys, N”Sync, Britney Spears (nos tempos de “menina virgem”) e Cristina Aguilera. Essencialmente, grupos de músicas fabricadas, em que raramente se distinguia um instrumento no emaranhado de combinações eletrônicas que uma produção de luxo sabia fazer para realçar a voz afinada, mas modorrenta, que despejava letras melosas estufadas dos mais variados clichês românticos (aqui um exemplo).



Era esse o terror que dominava as paradas lá por 99/2000






Cap 1: Saindo de atrás

Então, como um antídoto contra a pasmaceira musical dominante, a Internet começa a se popularizar. No início de 2000, surge o Napster, o primeiro programa popular de troca gratuita de músicas pela rede. O rock, que nesse período de trevas sobrevivia anônimo pelas garagens mundo afora, tinha descoberto sua válvula de escape. Não mais se precisava escrever bobagens, ser bonito e ter sorte para atrair um produtor que se encarregasse de fazer todas as músicas: bastava tocar uma guitarra, um baixo, uma bateria, juntar gente que também tocava um desses instrumentos, escrever letras sobre o que realmente estava se sentindo, colocar a música na Internet e torcer para que outros, com o mesmo sentimento para extravasar, escutassem, gostassem e também saíssem para colocar as suas músicas.





Cap 2: Empata a partida


Em 2001, surge o The Strokes. Banda de Nova York, que emulava diversas influências de décadas passadas na música e no visual, foi fazer sucesso primeiro na Inglaterra, no início do ano, através de um empresário que ouviu seu primeiro compacto, com 3 músicas – nem CD eles tinham gravado – e despejou para a molecada britânica no limite da saturação com as “ boys & girls bands”. Logo, o fenômeno se alastrou, virou capa de revistas, moda e, sobretudo, hype. Na cola do Napster outros programas vieram, fazendo com que muita gente, antes mesmo de ter em mãos o EP dos Strokes, já tivessem “baixado” (a expressão começava a ser conhecida) todas as músicas. Paralelo ao surgimento da banda, outras foram aparecendo, algumas foram descobertas - como o White Stripes, que já tinha feito dois álbuns, sem muita repercussão, quando lançou “White Blood Cells”, em 2001, do quase-hit “Fell in love with the girl” – e o qüinquagésimo terceiro renascimento do rock’roll foi propagado. Com o público já desperto para a novidade, foi fácil para os quase homônimos The Hives, da Suécia, e o The Vines, da Austrália, aparecerem – e, tão efêmero quanto surgiram - desaparecerem.

Como principal característica dessa nova geração do rock, dá para se citar a devoção de sua música a das décadas de 60,70 e 80 – sobretudo na parte das guitarras. As músicas parecem sempre “lembrar” alguma banda antiga, só que agora acrescentado de um elemento novo, que tanto pode ser as letras retratando a "nova" realidade, ou a mistura de tantas influências distintas que acabam por criar um algo “novo”, original.



Cap 3: A virada



Consolidado, o tal novo rock viu, em menos de um ano, a sua segunda geração nascer. Em 2002, novamente nas ilhas Britânicas, quatro ingleses, conhecedores de clássicos do rock e do punk como The Kinks, The Clash e Gang of Four, atualizaram a música destas bandas para o novo século com o nome de The Libertines e, desta vez, sem nem mesmo terem lançado um EP, foram alçados ao centro da mídia inglesa. As músicas já pulavam para a internet antes de serem colocadas no mercado, o pessoal baixava, lotava os shows e a propaganda mais eficiente de todas, a boca a boca, se encarregava do resto. O sucesso prematuro se consolidaria com o lançamento do primeiro álbum, Up the Bracket, em 2002, e se propagaria a nível mundial com o segundo, auto-intitulado Libertines, de 2004, fazendo com que eles viessem para o Brasil sem terem nenhum álbum lançado no país (só depois dos shows é que foi lançado por aqui). Mas nem precisava, afinal, havia a Internet, e baixar música e gravar em um CD virgem não era mais novidade.





Cap 4: Já é goleada



Neste ano, que recém passou da metade, já apareceu outro furacão da Inglaterra, via peer-to-peer (a forma mais comum de baixar música pela Internet): o Artic Monkeys. Formado por garotos ingleses na casa dos dezenove anos, a banda é como uma atualização para 2006 da sonoridade do Strokes e do Libertines, com letras que falam diretamente das situações vividas pela gurizada inglesa. O primeiro CD da banda, gravado a um custo irrisório, vendeu espantosos 363 735 mil cópias em uma só semana, atingindo o primeiro lugar na parada inglesa. A primeira música a fazer sucesso da banda, “I Bet you look good in the dance floor”, é, por enquanto, a música do ano na Inglaterra. Com uma letra divertida que fala, segundo o próprio vocalista, “de milhares de garotas que já me puseram na situação de olharem para mim num clube ou bar, eu ficar interessado, mas depois dizerem que eu imaginei que elas estavam olhando”, e sua batida rápida, que faz soar velho o Strokes e outros cânones da primeira e segunda geração, a música se expandiu – novamente, graças a Internet - de tal forma que até por lugares da noite de Santa Maria já é tocada.




Cap 5: A próxima partida?

Como a efemeridade é a tônica dessa nova geração, não se duvida de na semana que vem já surja outra banda para roubar o trono do Artic Monkeys de, como diz os Titãs, “melhor banda dos últimos tempos da última semana”.



Os Jogadores
Primeira geração(Cap.2): The Strokes, White Stripes, The Vines, The Hives, Interpol

Segunda Geração(Cap.3): Libertines, Franz Ferdinand, The Killers, Bloc Party, Kings of Leon

Terceira Geração(Cap.4): Artic Monkeys, Clap your Hands Say Yeah, Guillemots, Black Mountain






-Jornal A Razão, 13 de Abril de 2006-


Obs: Escrito em Abril, essa reportagem já, praticamente, poderia acrescentar mais um novo capítulo sobre o que aconteceu de lá até hoje. Por exemplo, daria para citar a introdução do primeiro hype mundial-brasileiro: o sucesso das bandas brasileiras Cansei de Ser Sexy (eletro-rock-dance-tosco) e do Bonde do Rolê (funk carioca + samples de Rock'roll + sexo, muito sexo) em suas recentes turnês pelos EUA. Até na tradicional revista americanaRolling Stone o Bondo do Rolê já apareceu (veja matéria comentando o assunto aqui), como uma das 10 bandas novas a se prestar atenção.

Mas, como faz muitíssimo pouco tempo, vamos esperar a tal 4º geração se tornar mais consistente.



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