9.11.2008

RIP Fausto Wolff

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Hoje já faz uma semana que um dos grandes jornalistas deste país faleceu. Faustin von Wolfenbuttel, o nome na identidade de Fausto Wolff, foi daqueles raros tipos de pessoas que viu tanta coisa, participou de tanta coisa, sobreviveu à tanta coisa, que fosse falar do que fosse, falava com sabedoria e autoridade. 

Nasceu em Santo Angelo, cidade aqui do noroeste gaúcho, mas já aos 18 anos se mudou para o Rio, cidade que adotou para o resto da vida. Escreveu para diversos jornais e agências de notícias, dentre eles o O Globo, Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil - onde mantinha até a sexta-feira passada uma crônica semanal, tanto que no dia de sua morte saiu essa crônica no jornal. Foi editor e colaborador do Pasquim original, e também no Pasquim 21, a versão ressuscitada do semanário de humor mais cáustico que este país já viu. Foi também professor de literatura em Universidades da Dinamarca e Itália, e durante todo o tempo em que fez tudo isso, foi escritor. 

É autor de uma produção vasta e bastanta variada, que passeia entre a ficção e o jornalismo. Tem romance mais tradicional - "A Mão Esquerda", ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura em 1997 e talvez seu livro mais conhecido até hoje; livro de crônicas/ensaios sobre o jornalismo e a imprensa brasileira -  "A Imprensa Livre de Fausto Wolff"; romance de formação com um baita toque gonzo  - " O Acrobata Pede Desculpa e Cai", escrito em 1969 e reeditado em 1998; livro de poesia  - "Cem poemas de amor e uma canção despreocupada"; e uma mistura de tudo isso, no monumental "A Milésima Segunda Noite" (o da bela capa abaixo), mais de 700 páginas dividas em 1002 textos que variam entre conto, poesia, memórias, pensamentos, críticas e ensaios.


Fausto foi daqueles que, quando falava, jorrava sabedoria; um tipo de sabedoria deglutida em um pensamento extremamente coerente, gentil e embebido de ideologia, como bom comunista que sempre foi. Falava através de uma torrente de palavras fortes - as vezes até abusando de termos escatológicas - e se fazia entender fácil; era intelectual, mas falava simples, como talvez todo intelectual deveria fazer. Por trás das aparentes esdrúxulas e incompreensíveis metáforas se escondia uma verdadeira filosofia; tal como Nélson Rodrigues, abusava das frases fortes e tão irônicas que deixavam esconder toda a história do homem nelas, como se essa história fosse escrita e reescrita na mesa de um boteco regado à muito álcool- e não se duvide que elas tenham sida escritas assim mesmo.

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Diversas homenagens saíram na blogosfera brasileira. Talvez não tantas como o talento de Fausto ainda vai render no futuro, mas suficientes para se ter uma noção do que foi a figuraça.

 _ Aqui dá pra ler uma entrevista ao estilo das melhores conversas de boteco; Fausto, bebedor daqueles de ganhar fácil torneios de quem bebe mais, afiado como nunca e calibrado por 3 garrafas de Whisky, conversa com quatro cartunistas assumidamente fãs dele. 

_ Aqui uma homenagem de um dos cartunistas que fez a entrevista do link acima, Arnaldo Branco, autor da tira Mundinho Animal e das melhores reportagens desta última edição da finada Revista Bizz.

_ Aqui um belo epitáfio de Fausto publicado no portal Literal, do Terra, escrito por Bruno Dorigatti;

_ Aqui uma compilação parecida com esta aqui sobre o que saiu na blogosfera sobre a morte do Fausto (mas a minha tá mais completa!);

_ Por fim, um vídeo onde Fausto conta um causo dos inúmeros que passou em vida;


P.S: A imagem do meio deste post é de um curta de animação que Fausto interpretou a si mesmo, Santa de Casa. A história é baseada em histórias de quando ele disputava queda de braço nos botecos do Rio de Janeiro, empresariado pelo cartunista Jaguar. Essa e a outra imagem foram tiradas daqui. Para ver o curta, hilário, basta entrar aqui e clicar no cartaz dele.

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Atualização e correção, 14/09:

_ Fausto escrevia crônica diariamente no Caderno B, do Jornal do Brasil, e não semanalmente.

Notícia no mesmo JB anuncia que já está em fase de edição um documentário em homenagem ao Fausto. Quem está comandando o projeto é Mario Augusto Jakobsind, colega de profissão e de redação de O Pasquim. Mário, inclusive, colheu depoimentos no enterro de Fausto, com a devida autorização da família.

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5 comentários:

david santos disse...

Excelente trabalho.
Eu adorei.
Parabéns.

facesdarte.blogspot.com disse...

Sim, eu lembro da primeira vez que li Fausto. Ele tinha um blusão da Lacoste e tirara fora o jacaré.
Ele era uma espécie rara de jornalista alheio ao status, crítico ao consumo, comunista coerente, como disseste Leo.
Demorou alguns anos para que eu concordasse com ele ou para que soubesse discordar dele.

Linda homenagem póstuma, Leo.

Anônimo disse...

"o preço do poder é a eterna mediocridade", "amante da língua materna mesmo era Édipo", "numa luta contra o mundo, aposte sempre no mundo", são umas frases de Wolff que vem logo na minha cabeça. Ele desferia essas pedradas com uma enorme facilidade, conseguindo a proeza de transitar por campos tão diferentes, com conhecimento de causa: a ironia, o humor, o erotismo, a poesia, a crítica política.

Ele barbarizava com a nossa indiferença, essa atitude dele sempre me pegou. Era avesso à falta de solidariedade, "ah, deixa que batam naquele pobre coitado, a gente não tem nada a ver com isso", dizia um dos personagens, com o típico cinismo que assola o Brasil.

Bem, ele lutou até o fim contra a mediocridade e tinha razão, "não é fácil ser supérfluo depois de ter passado por Shakespeare, Cervantes, Sófocles, Homero, Anatole France, Milton, Marx etc etc...". Putz, quantas saudades dele, como do seu impagável Nataniel Jebão.

Aquele livro "o dia em que comeram o ministro" foi o que devorei, o resto foi pelas páginas do Pasquim 21, páginas da net e esses anos pelas suas colunas cariocas, e com sua morte mas bem parece que morreu um cara do bairro, que nos encontrávamos para uma cerveja a cada quinze dias, bom-papo do início ao fim. Conteúdo e lucidez para dar e vender. Uma perda e tanto. Saudades de Fausto Wolff, com certeza. Merecida homenagem.

Jean Scharlau disse...

Salve, Leonardo.
Publiquei esta tua bela homenagem lá no www.olobo.net.
Abraço do Jean Scharlau.

Cris Carriconde disse...

Tenho muita saudade dele.
Descobri tua homenagem quando vi minha foto aqui. A que abre a matéria no Portal tenho publicada no meu Flickr. Não estou comentando pra reclamar ou divulgar o que fiz. Quero é dar um depoimento porque gostava muito dele e fico muito feliz porque passado certo tempo de sua morte ela é uma das minhas fotos mais pesquisadas no Google. Sempre peço a amigos próximos que reportem isso a Monica. Confesso que até fico supresa mas reforça o que você escreveu. O interesse sobre a obra e pessoa permaneceram. Grande Fausto que já me fez chorar de saudade. Tenho a foto dele rindo no lançamento e foi um flagrante de pura sorte. A última foto. Ele começou a rir quando autografava o meu exemplar. Um duplo presente para mim.