2.29.2008

É Nosso! (ou Nei Lisboa e a Síndorme do Mampituba) - Parte Um

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Não sei quem foi o primeiro a fazer a comparação, mas ainda hoje penso no Nei Lisboa como o mais próximo do nosso Bob Dylan - nosso entenda-se por gaúcho, porque o restante do Brasil pouco sabe quem é Nei Lisboa.

Não que o país não tenha tido suas chances: é bem conhecida a história de que Nei, em 1990, recusou o convite para gravar a triste versão de Hey Jude, dos Beatles, feita pelo compositor Rossini Pinto. O resultado foi que Kiko Zambianchi cometeu esta versão (Hey Jude, pra que chorar...), que estourou nas paradas brasileiras graças a sua presença na novela global Top Model. Ao contrário do que poderia parecer, a música acabou com a carreira de Kiko; sua gravadora na época, a EMI, exigiu que o cantor gravasse um disco com sucessos tão comerciais quanto a versão de Hey Jude, fato que fez Kiko romper o contrato e cair no ostracismo, de onde só saiu para fazer sua participação no estrondoso sucesso que foi o disco acústico do Capital Inicial - e voltar logo depois.

Talvez a comparação com Dylan nem proceda tanto, como talvez qualquer comparação em arte não deva ser levado muito a sério. Dylan é muito maior, em todos os sentidos, e o Nei Lisboa nunca negou que seu mundo não vai muito além do tradicional Bonfim, bairro boêmio e de origem judaica da capital gaúcha.

Essa "pequenez" assumida para todos os cantos pode ser até uma espécie de virtude de Nei, que parece sofrer - como, de resto, boa parte do que se produz em música no RS - de uma certa falta de compreensão para além do Mampituba, só para ficar numa referência geográfica bem gaúcha.

Muito do que aqui é visto como uma boa ironia, daquelas de provocar várias gargalhadas internas, soa como pretensamente "engraçadinho" para boa parte do resto do país - quando a ironia é entendida, o que não acontece na maioria das vezes.

O resultado disso é que se criou um mercado musical paralelo no RS, reforçado pela presença de rádios que incentivavam a produção local e por espaços de shows que se abriam para artistas autorais; isso tudo, por sua vez, acabou por formar um público que se acostumou a ouvir o que se convencionou chamar de "rock gaúcho"- um rótulo que define muito mais um estilo de composição muito particular, que muitas vezes independe de ritmos musicais como punk rock, hard rock, new wave, para se manifestar.

Esse mercado regional forte bastou para uns - os menos pretensiosos, como o próprio Nei Lisboa, ou os mais conformados, como o Nenhum de Nós, mega-banda até hoje no RS, mas quase uma one hit band para o resto do país - mas não foi suficiente para outros, que com uma boa dose de persistência (leia-se, também, empresários do centro do país ajudando e sorte de estar no lugar certo na hora certa) foram além desse mercado - Cachorro Grande, Papas da Língua, para ficar em exemplos recentes.

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Agora, o que explica essa ironia incompreendida de boa parte da música gaúcha? Ou, em outras palavras: por que o resto do país acha que boa parte de nossas músicas são como piadas internas incompreensíveis para os não-iniciados?

Não sei, e suponho que não há quem saiba ao certo. Até porque não é uma nem duas causas, mas uma série de questões que, talvez, dizem respeito à identidade do gaúcho e a sua maior proximidade cultural, comportamental, geográfica, etc, com os hermanos platinos do que com os irmãos baianos, paulistas, mineiros, cearenses...

(Por algum motivo acho que os cariocas tem um certo humor que lembra muito o nosso, principalmente na questão da tiração irônica de sarro de si mesmo. Mas aí já é outra - e polêmica - discussão.)

Creio que todo o gaúcho já se perguntou sobre essas questões, e duvido que conclusões definitivas foram tiradas. Algumas vezes, essa questão serve até mesmo como desculpa para um certo "coitadismo bairrista" - algo que também é peculiar a nós gaúchos, com toda o lado histórico de batalhas que, querendo ou não, está embricado na raiz de toda pessoa nascida por essas terras. (Continua...)

Crédito foto: neilisboa.com.br
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Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Leo! Muito bom teu texto, tu sabe mesmo brincar com as palavras. Bem, tu sabe que sou amante do rock gaúcho e por muitas vezes conversei em rodas de bar ou de chimarrão sobre este assunto. Acho que a cena do sul é muito independente e acredito que isso é positivo. Afinal, porque uma banda precisa estourar no Brasil inteiro para ser de sucesso? Mas pode ser que seja um certo egoísmo meu ou, ao contrário do "coitadismo bairrista" uma "soberba bairrista" por ter exclusividade (relativamente, lógico) nos gostos. Um exemplo pra explicar esse meu sentimento: preferia quando a Cachorro era só nossa. Me parece que agora ficaram muito mais distantes e que os papos nos camarins não serão mais os mesmos. Impressão, pode ser. Mas terei bem mais receio em tirar a prova. Beijos querido e continua produzindo!