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12.08.2008

Good Times, Bad Times (4)

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Continuando a série, desta vez a resenha é de um show. Como muita gente deve saber, o Engenheiros do Hawaii é uma das bandas mais odiadas pela crítica musical brasileira. O motivo, não se sabe ao certo. Mas, a partir de início para meados da década de 1990, virou piada certa na crítica fazer troça do Engenheiros. E Humberto Gessinger até que não se importava; pelo contrário, sempre respondia com um senso de humor apurado, ironizando a tudo e a todos.

Vou colocar dois trechos que tratam do Engenheiros. Primeiramente, uma crítica de um show no Ginásio do Ibirapuera, em 1991. Quem escreveu foi André Forastieri, que fez a resenha do disco do Faith No More publicada aqui. Depois, vem uma "matéria" publicada em 1999 onde vários críticos da mídia nacional fazem perguntas irônicas para Gessinger, que respondo com o mesmo grau de ironia. Os dois textos foram publicados na finada Bizz, e eu achei eles na Comunidade da revista no Orkut.

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Engenheiros do Hawaii, Ginásio do Ibirapuera Julho de 1991

Como os leitores desta revista sabem, os Engenheiros Do Hawaii são simultaneamente o grupo predileto do público e o mais destacado pelos jornalistas, segundo o último Melhores do Ano. É uma situação engraçada, e que faz pensar. Será que o público é cretino? Ou os jornalistas são elitistas? Por que o verso "toda forma de poder é uma forma de morrer por nada" é inferior a "você diz que seu pai não te entende? mas você não entende os seus pais"? Alguém pode dizer por que catzo de razão os Engenheiros Do Hawaii se transformaram, para a crítica, num emblema de tudo que é ridículo e chato no rock brasileiro? Por que é OK tirar sarro do cabelo "paquita" de Gessinger, mas não cai bem gozar o bigodão bolerão de Renato Russo?

Foi caraminholando estas crucialíssimas questões que encarei um show dos Engenheiros no Ibirapuera. O Ibirapuera é por definição um saco. Lembra basquete e outros esportes detestáveis. E ver os Engenheiros não é minha idéia de diversão de sábado à noite. Sábado à noite é para ficar em casa vendo filmes e comendo pipoca. Ainda mais que isso, foi nem três meses depois do Rock In Rio, e o show do Ibira foi um repeteco do concerto no Maracanã: rock simples com um leve glacê progressivo, num desfilar de hits radiofônicos - aliás, na semana do show, três das dez músicas mais tocadas nas FMs de São Paulo eram dos Engenheiros.

Não gostei do show, ando sem a menor paciência para tudo que não seja metalizado. Agora, não tenho dezesseis anos, que é a idade média do público da banda, e olhando a coisa por olhos de adolescente não dá para negar que os Engenheiros são ótimos. O talento dos moços para confeccionar melodias pegajosas é do nível de Lulu Santos e Guilherme Arantes. A isso, some a imagem de "último dos independentes" da banda, a boa guitarra de Augustinho, as letras Caetanovelosófilas de Gessinger e uma visão sofisticada, literata, do que é rock no Brasil. O mix funciona. Vende muito e, mais do que isso, é respeitado por quem interessa, o público.

Críticos maria-vai-com-as-outras talvez preferissem que o público ouvisse exclusivamente as bandinhas underground de seus amigos ou, melhor ainda, que a garotada só escutasse bandas estrangeiras e ignorasse esse cafonérrimo rock nacional. Não, não é assim que funciona, coleguinhas. Os Engenheiros são bons paca no que fazem e, salvo acidentes de percurso, Humberto Gessinger se tornará nos próximos anos a maior ameaça ao trono de Roberto Carlos. Quem não gostar que vá reclamar com o bispo.

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Um caso de "amor": Gessinger e a imprensa

Pedimos a alguns críticos que fizessem uma pergunta a Humberto Gessinger. Veja abaixo por que ainda rola um clima "Kosovo" nessa relação:

Depois de lançar dez discos, o que ainda te leva a correr os riscos dessa infinita highway do pop nacional?
Thales de Menezes (Folha de S.Paulo)
Tocar contrabaixo.

Você acha que teria feito algo diferente caso fosse um "queridinho da crítica" e tivesse a obrigação de manter essa expectativa?
Jaime Biaggio (colaborador da SHOWBIZZ)
Achar que o artista escolhe o que vai fazer é ilusão. A gente é prisioneiro da nossa arte.

Por que vocês nunca mais conseguiram produzir nenhuma grande música pop como "Cidade Em Chamas", "Infinita Highway" e "Toda Forma De Poder"?
Marcelo Janot (Jornal do Brasil)
As pessoas romantizam aquele período. As pessoas são muito preguiçosas em procurar pérolas onde elas não estão explicitamente mostradas.

Você não acha uma injustiça nenhuma música dos Engenheiros ter sido incluída no disco Clássicos Do Sul, de Kleiton & Kledir, que reivindicam um lugar para a música típica do Rio Grande do Sul junto à moderna MPB?
Silvio Essinger (Jornal do Brasil)
Ainda não escrevi meus clássicos. Concordo com o que Kleiton & Kledir falam a respeito da música gaúcha, mas agora estou bem mais desesperançado. Rola um estranhamento muito grande em relação à cultura gaúcha no resto do país.

Você tem mais de cinco discos de rock em casa?
Alvaro Pereira Jr. (Rede Globo)
Do que chamam de rock'n'roll puro, não devo ter. Mas de rock progressivo, e seus subprodutos, eu tenho mais de 500.

Após show no Hollywood Rock de 1993, uma assessora tentou sem sucesso fazer as pazes da banda com os jornalistas de São Paulo. Essas rusgas com a imprensa paulista já acabaram?
Fernando Souza Filho (Rock Brigade)
Espero que ainda existam. Quanto mais a gente incomoda, significa que a gente ainda está ocupando espaço.

Os Engenheiros Do Hawaii sobreviveriam sem o messianismo que os caracteriza?
Pedro Alexandre Sanches (Folha de S.Paulo)
Não seria Engenheiros Do Hawaii sem messianismo.

Nos últimos quinze anos, a evolução do agrobusiness tem sido maior do que a da estética do rock gaúcho. Você nunca pensou em se dedicar à pecuária, atividade mais lucrativa do que a de roqueiro?
Luís Antônio Giron (Gazeta Mercantil)
Acho que vou editar os livros que o Giron escreve. Aí sim eu vou fazer dinheiro.

Você se acha um bom letrista ou você é um cara-de-pau?
Sérgio Martins (Época)
Eu sou um bom letrista.

Por que vocês não conseguem repetir o sucesso de dez anos atrás, como é o caso do Barão Vermelho, Titãs e Paralamas?
Marcos Filippi (Jornal da Tarde)
Acho que de repente o que a gente canta não está interessando tantas pessoas, mas isso não posso mudar.

Dizem que você se tornou o Oswaldo Montenegro do rock. Você concorda?
Jotabê Medeiros (O Estado de S.Paulo)
Oswaldo Montenegro do rock? Não. Acho que ele é multimídia e eu não sou.

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12.01.2008

Good Times, Bad Times (3)


Depois de alguns meses, retomo aqui a seção de resenhas clássicas de disco igualmente clássicos (ou não). Nessa terceira parte, vai o baita texto de Emerson Gasperin - editor da Bizz na virada dos 90 para os 00, morador de Floripa e atualmente editor do blog Fancaria, dentre outras coisas - sobre Issues, cosiderado um dos melhores discos do Korn. A resenha foi publicada na Bizz de fevereiro de 2000, época tomada pelo new metal de bandas como Limp Bizkit, Deftones e o próprio Korn. Felizmente, uma época que se foi.

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Bicho estranho, este tal de novo metal. Para fugir dos estereótipos do gênero, os caras foram limando tudo que remetesse aos áureos tempos do passado. Os cabelos perderam comprimento (os que continuaram longos ganharam opções além do corte pigmaleão dos anos 80), as letras deixaram de abordar lendas medievais e diabinhos para falar de dramas psicológicos ou das mazelas da atualidade, o figurino de lycra colante foi trocado pelas últimas tendências da moda.

Em
Issues, seu quarto disco, o Korn vai além e cria o metal sem metal, o metal em que é impossível bater cabeça. Ou melhor, até dá para "quebrar" o pescoço, mas apenas durante os segundos em que os riffs pesados dominam cada música. A maioria das faixas segue o pouco criativo método Korn de composição: começo com paredes de baixo e guitarra que ruem subitamente para que a voz fraquinha de Jonathan Davis consiga aparecer, como em "Trash", "Beg For Me" ou no primeiro single, "Falling Away From Me". A exceção é "Counting", a melhor do disco, não por ser boa, mas por ser a única pesada do início ao fim - nada que o Faith No More não fizesse com mais categoria e bom humor. Mas é em "4 U" que fica evidente a falta de traquejo dos caras do Korn para com o metal. É uma balada medíocre, quando até os parafusos que apertam os captadores da guitarra de Nuno Bettencourt (aquele gajinho do Extreme) sabem que banda de metal que se preze não passa sem uma balada matadora.

Assim, ao final de
Issues, dá saudade da época em que os metaleiros faziam questão de serem alienados e de se vestirem com os trajes mais estapafúrdios. Hoje, todo mundo é consciente e fashion - e a pose só aumentou. Esse troço disforme em que se transformou a música agressiva também dá saudade de Eddie, o monstro do Iron Maiden. Pelo menos nele era fácil identificar onde ficava a bunda para dar um belo chute.
Emerson Gasperin

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10.10.2008

Nostalgia

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J
á disseram em comentários que nostalgia era o que esperavam deste blog. Nunca parei para pensar se a nostalgia (a minha, no caso) era o principal "valor-notícia" para escolher o que postava por aqui, mas de uns tempos pra cá tenho levado ela mais em consideração. Talvez seja a idade chegando, e com ela a constatação de que a falta de sons que me agradem hoje só pode ser compensada pela escuta de sons de épocas anteriores, especialmente de bandas que já ouvi bastante e que me trazem lembranças.

Na verdade, o aparente desagrado com a "música de hoje" só pode ser explicado pela comparação inevitável que o sentimento nostálgico cria entre o que é feito hoje e o que já escutei, com evidentes vantagens para aquilo que já escutei. É como ouvi certa vez: somos escravos de nossa adolescência, no que diz respeito à gostos musicais. Por mais que hoje goste de inúmeras outras coisas que nem sabia que existiam na época da descoberta, ainda é demais prazeroso ouvir um disco dessa época; as lembranças das situações, dos locais onde estava quando colocava o CD no micro sistem, ou quando sentado no sofá da sala via o clipe através da chuvisqueira que era a MTV na tv da minha casa, todas essas situações com altas cargas emocionais vem somadas e mutiplicadas na escuta de discos daquela época. O resultado é que, se a música já era considerada boa naquela época, para ela sempre a será . Nem que o ouvido de hoje considera ela pobre, mal tocada e simplória, não é esse lado racional de julgar a música que está em jogo, mas a questao emocional - que, afinal de contas, é o que deveria valer quando se trata de arte, não?

Acho que agora posso dizer que entendo os revivals.

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Esse sentimento nostálgico, que ao mesmo tempo complica a minha crítica e apreciação da música que é produzida hoje por sempre comparar com àquela produzida antes, também facilita na questão do contextualizar. Quando pego para escutar um disco de bandas como Radiohead ou Raconteurs, por exemplo, o que me faz gostar delas, e até mesmo entender o porquê de seu relativo sucesso em público e crítica, é justamente o que chamarei aqui de "captar o espiríto dos nossos tempos": revisitar sons antigos com uma roupagem que absorve as características caóticas da música que se faz hoje. Algo que, na bendita academia falada no post anterior, seria quase como "fazer o dever de casa", e, a partir daí, colaborar com algo novo que só o talento de cada um pode dizer do que se trata.

Aliás, é justamente a misturança de tudo com tudo, e a quebra de preconceitos quanto à isso, que provavelmente seja a principal característica da música hoje. Recriar, reciclar, remixar com criatividade o mundo de coisa que já se produziu até aqui na música, somando à isso o talento de cada um de absorver o "espírito do nosso tempo": talvez seja essa a única máxima possível de se afirmar como regra para se fazer música relevante hoje.


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Eu comecei esse post com a fixa idéia de falar do Television (foto acima), banda que fez parte de minha adolescência a partir da leitura do Please Kill Me (Mate-me Por Favor) ainda na edição da capa laranja da editora L&PM.

Marquee Moon
é ainda uma das melhores músicas (e discos) que escutei na vida: tá ali o duelo de guitarras típico do som do Television, a melodia linda e viajante que não fazem cansar os mais de 9 minutos da música, a letra com fortes influências do estilo da poesia beat, tudo numa mistura de estilos musicais que não dá pra definir com rótulos muito claros -embora costumem considerar o Television como uma banda punk, mais pelo contexto de criação da banda (início da década de 1970, sendo que o primeiro disco, o Marquee Moon, só saiu no mítico ano de 1977) do que pelo som , que em pouquíssima coisa lembra bandas baluartes do punk como Sex Pistols, Ramones e The Clash.

Enfim, aí vai um vídeo da música Marquee Moon, em um versão ligeiramente diferente da original, lançada no disco de mesmo nome...



E See no Evil, música que abre o primeiro disco, aqui em versão ao vivo em 2002, num show com a formação clássica : Tom Verlaine (guitarra e voz), Richard Lloyd (guitarra), Fred Smith (baixo) e Billy Ficca (bateria).

(se caso não der para ver o vídeo aqui no blog, clique aqui).

Link para baixar o Marquee Moon (1977)
Link para baixar o Adventure (1978)

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P.S: Se alguém não entendeu o porquê do Television estar no livro Mate-me Por Favor, recomendo entrar aqui e comprar a versão pocket da mesma L&PM, em dois volumes. A antiga edição, em um volume só, está esgotada faz tempos.

P.S2: O nome do livro se chama Please Kill Me em homenagem à uma camiseta usada pelo primeiro baixista e vocalista do Television, Richard Hell, que saiu em 1975 para seguir em carreira solo à frente do Voidoids. Hell é, talvez, o símbolo original do punk, menos famoso porém mais original que o símbolo mais conhecido do movimento, Sid Vicious. É dele um dos maiores clássicos da época: Blank Generation, ou "geração vazia", nome do primero disco da banda, o desta capa aqui.

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6.24.2008

Good Times, Bad Times (2)

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Enquanto me atolo em trabalhos do Mestrado, sobra um tempinho para postar alguma coisa interessante aqui.
Mas aguarde, em breve mudanças neste blog.




A resenha clássica de hoje é do André Forastieri, também um dos nomes da fase áurea da Bizz. Forasta, como muitos o chamavam, é daqueles críticos que não tem receio algum de expor sua opinião; por esse motivo, já arrumou briga com meio mundo, exaltou discos que nunca mais se falou, e, também, deixou pérolas em formas de resenhas. Uma delas é esta aqui, onde ele tece loas ao disco Angel Dust, do Faith No More, lançado em 1992.

A gravadora London disse que esse álbum é suicídio comercial para o Faith No More. E é mesmo. Não tem nada a ver com The Real Thing, "Epic", "Edge Of The World", todo mundo cantando junto e balançando as mãos e tascando sorvete na testa.

Não, isso é um esporro -purulento -paranóico-escroto- sanguinolento, cérebros explodindo multidirecionalmente, picas frustradas se ralando no cimento e sangrando em cima de crianças miseráveis morrendo de fome. Demônios à solta. Adeus fãzinhas púberas, adeus MTV, adeus tudo. Não tem uma porra de um sucesso neste disco. O Faith No More foi longe demais.

"Midlife Crisis", o primeiro single, dá uma pista do disco mas não entrega o jogo. O próximo ("A Small Victory") é a coisa mais "fácil" de Angel Dust, mas suas possibilidades de sucesso foram abortadas com sete meses -os caras botaram um trecho completamente anticomercial e esquisito no meio. Por que esse desejo de se matar? Não vem ao caso, mas é quase grande arte.

Angel Dust é Frankenstein: pedaços de gêneros estabelecidos que não estão mortos mas já fedem -metal, hip-hop, country, thrash - fundidos numa criatura única, simultaneamente podre e rebimbando de vitalidade. O NME chamou de schizo.core, hardcore esquizofrênico. É um bom rótulo, mas não é suficiente.

Seguinte: não tem uma letra simples no álbum. Daria para dizer que são quase poemas se não fosse soar tão pretensioso, poemas no sentido William Burroughs da coisa. Exemplo 1: "os balanços do parquinho não me acomodam mais/folclore: ninguém deveria acreditar que no próximo ano tem aula/escreva cem vezes"(em "Kindergarten").
Exemplo 2: "Chegou a hora de falar com meus filhos/vou dizer a eles exatamente o que meu pai me disse/ VOCÊ NUNCA VAI DAR EM NADA" (em "RV").
O detalhe é que não tem uma letra que dê para cantar junto. A estrutura das músicas não permite, e a voz de Mike Patton varia radicalmente e vai do velho falsete (pouco usado) a puro terror thrash a baladeiro canastrão.

É tão absurdo que no primeiro lado, logo depois de "Midlife Crisis", tem uma música que parece Frank Zappa ("Rv") seguida de um funk metal sujão ("Everything´s Rnined") e de outra que lembra Godflesh/Sepultura, distorção no talo e vocais monstro (´Malpractice").

Minha favorita, "Be Agressive", lembra um pouco "We Care A Lot", sugere sadomasoquismo, começa com órgão de igreja, tem coro infantil no refrão e guitarra wah-wah. Patton está furioso: "O que outro deixaria para trás, cuspiria fora, desperdiçaria eu assumo como meu". Mas as coisas vão mesmo para o inferno em "Jizzlober". É grito choro dor primal, me arrancaram do útero, um pesadelo de distorção e desespero.

O que significa isso tudo? Não sei e não me importo. Vou deixar para alguém mais esperto que eu o trampo de decodificar Angel Dust.

André Forastieri

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6.14.2008

Good Times, Bad Times (1)

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Taí algo que deveria ter colocado como seção fixa do blog antes: resenhas clássicas de álbuns. Porque, alguns anos atrás, se escrevia resenhas espetaculares nas revistas musicais brasileiras. Era um tempo que ainda existiam revistas musicais brasileiras; que se vendia CD, fita cassete e por vezes até LP; que existiam críticos completamente sem noção, sem (aparente) medo de polêmica, e que, talvez por isso mesmo, produziam resenhas que não raro eram muito melhores de ler do que se escutar o disco resenhado.

Enfim, eram bons tempos. Que eu não vivi direito, porque era novo demais e não sacava diversas ironias por falta de malícia e cabedal musical. Era muito mais difícil escutar um disco, e mais ainda ler uma opinião sobre estes. Não sei se eram tempos melhores do que os de hoje; mas que eram bons, isso eram.

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Começo esta seção com uma resenha publicada na finada Revista Bizz do disco Titanomaquia (capa abaixo), do Titãs, de 1992.
O autor dela é o André Barcinski, um dos melhores críticos da fase que muitos costumam chamar de "áurea" da Bizz, que vai do finalzinho dos anos 80 até o início dos 90.




Local: casa de um dos Titãs.
Os sete roqueiros se reúnem para traçar as metas de seu novo álbum.

Paulo: "Bom, galera. E aí? Nosso último disco foi massacrado."
Toni: "É mesmo. Temos que pensar em algo diferente... Vamos começar pelo nome. Alguém tem uma sugestão?"
Nando: "Que tal 'Pa-Ra-Le-Le-Pí-Pe-Do'?"
Marcelo: "Não, nada de poesia concreta. O Arnaldo saiu, se liga!"
Charles: "Que tal um disco grunge? Está bem na moda..."
Sérgio: "Será que dá certo?"
Charles: "Porra, até o Capital Inicial está fazendo cover do Pearl Jam!"
Branco: "É mesmo! O Dinho rasgou todas as suas calças e tatuou 'Eu Sou Roqueiro' na cabeça."

Charles: "A gente poderia chamar aquele cara do Nirvana para produzir, o Butch Vig..."


(segue-se um longo intervalo, durante o qual Charles liga para a gravadora).


Charles: "'Rapeize', o Butch não dá, mas eles me garantem um tal de 'Jack Albino'."
Paulo: "'Albino'? Legal, talvez ele até curta o Hermento Pascoal."

Nando: "Mas eu não entendo nada de grunge. Só ouço Tom Zé e Marisa Monte!"

Branco: "Não tem mistério. O negócio é o seguinte: a gente mete umas guitarrinhas distorcidas, fala uns palavrões no meio das músicas e põe no press release que o nosso negócio agora é pauleira!"

Marcelo: "Será que vai colar?"

Sérgio: "É lógico. Brasileiro é tudo bundão! A molecada toda só está andando com esse visual grunge, eu vi no Programa Livre."

Toni: "A gente pode fazer umas fotos com visual punk!"

Marcelo: "Oba, vou estrear a minha camiseta do Tad."
Nando: "Você também fez este curso de datilografia?"

Branco: "Só tem um problema: e se esta onda grunge acabar? E se o samba entrar na moda?

Charles: "Bom, acho que talvez o Agepê toparia produzir nosso próximo disco."


André Barcinski

Crédito foto: Vinylmine
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