5.02.2007

Contadores de Histórias (1)

.

Texto que escrevi um tempo atrás, publicado na edição de março de 2007 do jornal da Cesma, a Cooperativa de Estudantes de Santa Maria. É uma matéria com dicas de 3 discos que tem algumas boas histórias para contar. Vou publicar ela na íntegra, com alguns acréscimos hipertextuais, em duas partes. A primeira vai abaixo:

Histórias Extraordinárias

Leonardo Feltrin Foletto – mat. 30778

Desde o surgimento da canção – há não se sabe quantos séculos atrás, como evolução natural das cantigas que retratavam feitos heróicos dos povos - muita boa história foi contada através da música. Diversas narrativas, dos mais diferentes temas e origens, foram criadas casando perfeitamente música e letra, muitas vezes de maneira tão sublime que torna-se difícil conseguir separar um dos dois elementos e ainda assim achar significados e sensações possíveis de serem percebidas sozinhas.

A partir da metade do século passado, notadamente do início da década de 1960, as letras, pelo menos na música popular, foram ganhando carga de complexidade tamanha que passaram a não mais somente fazer sala para as melodias, mas sim a rivalizar com elas em carga de complexidade, beleza e, acima de tudo, qualidade. Nomes como Bob Dylan começaram a subverter a simplicidade comum da letra da música, levando-a para um patamar em que os dois elementos, letra e música, ao rivalizar pela supremacia guia da canção, acabavam por se unir umbilicalmente, transformando-se num poderoso instrumento de confronto e também de fuga da realidade tão conturbada quanto a daquela época.

Algumas dessas uniões tão bem feitas entre letra e música, que retratam situações bastantes distintas umas das outras, é que mostram os Cds aqui indicados. São escolhas, como quaisquer outras, bastante subjetivas, mas que exemplificam o poderio que uma canção, ou um disco inteiro, pode ter na vida de uma pessoa, seja ela o compositor que exorcizou seus demônios interiores através do processo de composição, seja alguém que escuta o trabalho e, a partir da gama de sensações e idéias que surgem daí, transforma radicalmente a sua vida.



Bob Dylan - Blood on Tracks (1975)

A primeira definição que costumam dar a Blood on Tracks, o 15º álbum de estúdio de Bob Dylan, gravado em 1975, é a de “desabafo pessoal”. Diferente da maioria dos discos da década de 1960, neste Dylan fala de si, da dor que sentia depois de acabar com sua esposa, Sara. As circunstâncias levavam a uma melancolia, e o disco é melancólico. Porém, como não poderia deixar de ser em se tratando de Bob Dylan, é muito mais do que isso; as 10 faixas – de instrumental bastante simples, como se Dylan quisesse que prestássemos atenção apenas no que realmente importa na vida – são legítimos contos sobre a dor, a perda, a solidão e o que ocasiona isso tudo, o amor. Por trás da simplicidade vocal e instrumental está um homem refletindo sobre aquilo que ele acaba de passar, ao mesmo tempo se desnudando em público e também se escondendo por trás das cada vez mais poderosas metáforas. A música, neste caso, é o canal que leva a complexa mensagem de Dylan a quem nem imagina que ela possa atingir.

Na lista da Rolling Stone dos 500 melhores álbuns do século XX (aqui no blog publicado até o 50º), o Blood on Tracks ficou na 16º posição. Logo que lançado, ele ficou em 4º na parada americana da Billboard, e em 4ºna inglesa.


Faixas:

Lado A

  1. "Tangled Up in Blue" – 5:40
  2. "Simple Twist of Fate" – 4:18
  3. "You're a Big Girl Now" – 4:36
  4. "Idiot Wind" – 7:45
  5. "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go" – 2:58

Lado B

  1. "Meet Me in the Morning" – 4:19
  2. "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" – 8:50
  3. "If You See Her, Say Hello" – 4:46
  4. "Shelter from the Storm" – 4:59
  5. "Buckets of Rain" – 3:29

Dê uma olhada na letra enorme logo abaixo - da primeira música do disco, Tangled up in Blue - e veja porque o extraordinário do título da matéria não se refere a situações do além, mas da excepcional qualidade da letra e da história que ela conta.

Ah: não vou me dar o trabalho de traduzí-la, até porque muito dos detalhes e das sacadas de Dylan perdem-se com a tradução. Procure um dicionário, qualquer coisa :)


Tangled up in Blue

Early one mornin' the sun was shinin',
I was layin' in bed
Wond'rin' if she'd changed at all
If her hair was still red.
Her folks they said our lives together
Sure was gonna be rough
They never did like Mama's homemade dress
Papa's bankbook wasn't big enough.
And I was standin' on the side of the road
Rain fallin' on my shoes
Heading out for the East Coast
Lord knows I've paid some dues gettin' through,
Tangled up in blue.

She was married when we first met
Soon to be divorced
I helped her out of a jam, I guess,
But I used a little too much force.
We drove that car as far as we could
Abandoned it out West
Split up on a dark sad night
Both agreeing it was best.
She turned around to look at me
As I was walkin' away
I heard her say over my shoulder,
"We'll meet again someday on the avenue,"
Tangled up in blue.

I had a job in the great north woods
Working as a cook for a spell
But I never did like it all that much
And one day the ax just fell.
So I drifted down to New Orleans
Where I happened to be employed
Workin' for a while on a fishin' boat
Right outside of Delacroix.
But all the while I was alone
The past was close behind,
I seen a lot of women
But she never escaped my mind, and I just grew
Tangled up in blue.

She was workin' in a topless place
And I stopped in for a beer,
I just kept lookin' at the side of her face
In the spotlight so clear.
And later on as the crowd thinned out
I's just about to do the same,
She was standing there in back of my chair
Said to me, "Don't I know your name?"
I muttered somethin' underneath my breath,
She studied the lines on my face.
I must admit I felt a little uneasy
When she bent down to tie the laces of my shoe,
Tangled up in blue.

She lit a burner on the stove and offered me a pipe
"I thought you'd never say hello," she said
"You look like the silent type."
Then she opened up a book of poems
And handed it to me
Written by an Italian poet
From the thirteenth century.
And every one of them words rang true
And glowed like burnin' coal
Pourin' off of every page
Like it was written in my soul from me to you,
Tangled up in blue.

I lived with them on Montague Street
In a basement down the stairs,
There was music in the cafes at night
And revolution in the air.
Then he started into dealing with slaves
And something inside of him died.
She had to sell everything she owned
And froze up inside.
And when finally the bottom fell out
I became withdrawn,
The only thing I knew how to do
Was to keep on keepin' on like a bird that flew,
Tangled up in blue.

So now I'm goin' back again,
I got to get to her somehow.
All the people we used to know
They're an illusion to me now.
Some are mathematicians
Some are carpenter's wives.
Don't know how it all got started,
I don't know what they're doin' with their lives.
But me, I'm still on the road
Headin' for another joint
We always did feel the same,
We just saw it from a different point of view,
Tangled up in blue.


Para não perder o costume, clique aqui para baixar o disco na íntegra.

..

Nenhum comentário: