7.04.2008

Revival particular (2): Nirvana e o Nevermind

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"Nevermind" foi o principal responsável pela talvez última "revolução" do rock. (E quais seriam as outras? os Beatles e a British Invasion, o punk, o pós-punk?)

Fiz essa afirmação em palavras mais definitivas numa antiga matéria que fiz pro jornal A Razão, na época em que cuidava do saudoso Caderno Teen do jornal, publicado às quintas-feiras. Nem lembrava que também tinha publicado este texto aqui no blog, exatos 1 ano, 7 meses e quatro dias atrás, ainda no tempo em que não existiam tags nem justificação de texto no Blogger.

Dia desses, em conversa com amigo meu via msn, lembrei dessa matéria. Turbinados por um saudosismo recorrente nestes últimos meses, conversávamos sobre uma reportagem publicada na Bizz em 1992, re-publicada no portal G1, quando da ocasião de 15 anos de lançamento do Nevermind - a mesma ocasião que me fez escrever a matéria para o Teen.

A reportagem, escrita pelo saudoso André Forastieri, era um sincero - e por isso mesmo excelente - depoimento pessoal-entrevista com Kurt Cobain. Forastieri se colocava como uma "Testemunha Ocular da História", e tratata de fazer um comparativo entre a sua vida e a de Kurt, colocando o hoje mítico líder do Nirvana como um cara caipira igual a ele, que compunha como ele e outros adolescentes esquisitos, malucos, sonhadores, obsessivos, nerds comporiam - ou intuíriam que comporiam, porque Kurt fez e ele(s) não.

Essa idéia, a de que Kurt conseguiu falar aquilo que toda uma geração sentia e gostaria de ter falado, é aquela que pode explicar em boa parte o que foi o sucesso o Nirvana e do grunge. E é essa a idéia que eu coloquei também no texto do Teen, embora com deveros vícios infantis/juvenis que na época ainda mantinha por demais em meus textos.

Reproduzo abaixo, então, o texto principal da matéria que saiu no Teen de 28 de setembro de 2006:

A última grande revolução no rock





Há 15 anos atrás, em setembro de 1991, o Nirvana lançava o seu segundo álbum, “Nevermind”. Ninguém imaginava a revolução que ele causaria.


Uma revolução, pelo menos na música e talvez também na cultura pop, nunca é realmente percebida quando está acontecendo. No caso específico da música, quando um álbum é “inovador”, “original” para a época, uns poucos gatos pingados escutam, e a maioria desses ainda não percebem o potencial explosivo do que estão escutando. É preciso tempo – dias, semanas, meses, por vezes até anos – para assimilar o impacto, porque se ele é realmente inovador, não vai haver nada, pelo menos naquela época, que sirva de base de comparação para uma definição qualquer. No máximo pode haver, entre uns poucos mais rodados de bagagem musical, uma sensação de que “algo está acontecendo”.

Há quase exatos 15 anos atrás, em 24 de setembro de 91, esse “algo está acontecendo” foi sentido pela ultima vez na história da música pop. “Nevermind”, o segundo álbum do Nirvana, chegava às lojas de todo o planeta embalado pelo explosivo clipe de “Smells like teen spirit”, o primeiro single do disco. Em pouco tempo, a gurizada roqueira – que na época era maioria em praticamente todo o planeta – começou a trocar os excessos do hard rock farofa de bandas como Poison, Motley Crue, Guns’n’Roses, pela simplicidade e sinceridade da música feita por apenas três caras, liderados por um jovem loiro do interior dos Estados Unidos, que se vestia de xadrez porque os trabalhadores da sua região assim se vestiam, e – suprema inocência! – tocava poucos e barulhentos acordes porque era assim que sabia fazer. Alguns meses depois de lançado, mais precisamente em janeiro de 92, “Nevermind” já destronava o então rei do pop Michael Jackson do primeiro lugar da Billboard, a mais famosa das listas dos álbuns mais vendidos do planeta, e Kurt Cobain, o tal jovem loiro, era o rock star mais amado do mundo.

Hoje em dia, quem escuta o álbum pode até se perguntar “mas o que tem de inovador nisso?”. Na época, misturar guitarras barulhentas – nem tão rápidas quanto às do punk rock, nem tão pesadas quanto às do heavy metal – com melodias pop era algo bastante inovador e original. Mas, talvez, o que tenha marcado mesmo o Nirvana tenha sido a atitude da banda: quem estava ali eram três pessoas normais, que falavam e faziam as mesmas coisas que todo mundo, que não eram fabricados por empresários e produtores nem forçavam a barra como os posers do hard rock. Era o retrato fiel de toda uma juventude que acompanhava de perto o tal mundo pop, mas nunca se via lá.


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Em um dos boxes na matéria, coloquei a primeira resenha publicada do Nevermind, escrita pelo jornalista norte-americano Ira Robbins e que saiu na edição 618, de novembro de 1991, da Rolling Stone americana. É um texto que enxerga Nevermind como um grande disco, mas que apenas pincela o impacto que ele causaria no futuro, porque mesmo na época do seu lançamento isso ainda não tinha ficado tão nítido quanto é pra nós hoje.


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Liderados pelo vocalista e guitarrista Kurt Cobain, o Nirvana é a última das bandas surgidas no underground que vem testar o grande público para o rock alternativo. Devido a rigidez da porção das pessoas que desfrutam do rock de guitarras que não é o heavy metal, a versão da verdade do trio do estado de Washington é, provavelmente, tão crível quanto qualquer outra.

Uma dinâmica mescla de power chords, energia frenética e sobriedade sonora, o Nirvana ergue sólidas estruturas melódicas - rock que gruda no ouvido, cujos expoentes principais são o Replacements, Pixies e Sonic Youth - e logo as trata de demolir com gritos desaforados e caóticas explosões guitarrísticas. Quando Cobain decide ser punk - e sua voz é um instrumento muito versátil para isso - deixando de acariciar a melodia para raspar com a força de gritos por vezes deslocados, o baixista Krist Novoselic e o baterista Dave Grohl entram para manter a canção equilibrada, evitando que ela não se desintegre de modo caótico. Mesmo que o Nirvana não esteja fazendo nada de verdadeiramente novo, “Nevermind” tem as canções, o caráter e o espírito para ser muito mais do que uma mera reformulação dos hits oitentistas do rock universitário americano. (...)

Contendo alguns ocasionais (e provavelmente intencionais) erros de gravação, a maioria das canções (como “On a plain, “Come as you are” e Territorial Pissings”) mostram a habilidade da banda em introduzir a sutileza em um contexto denso e barulhento. Num outro extremo do disco, “Something in the way” flutua numa nuvem translúcida de guitarras acústicas e violoncelo, enquanto “Breed” e “Stay Away” são puro barulho; esta última, ainda, termina com uma impactante explosão sonora. (..)

Frequentemente, as bandas do underground gastam seus esforços em discos que não estão preparadas para fazer, e logo dilapidam suas forças e inspiração em árduas turnês. “Nevermind” põe o Nirvana numa encruzilhada: são operários gladiadores do rock garageiro que põem seus olhos em uma terra de gigantes.

Ira Robbins, novembro de 1991
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No outro box, constava um pequeno texto sobre a produção da famosa capa do disco.


A capa do Nevermind é uma das mais conhecidas da história do rock. A idéia inicial bolada por Kurt Cobain era a de estampar no disco a foto de um bebê nascendo na água. Como era muito caro comprar uma foto desse jeito, decidiram contratar um fotógrafo, Kirk Weddle, que para realizar pelo menos uma parte da idéia de Kurt, pediu para retratar o filho pequeno de um casal de amigos. Então, mesmo sem ganhar nada, Spencer Welden, na época com 4 meses e hoje com 17, foi fotografado nadando em direção a uma nota de um dólar; sem querer, o bebê acabou se tornando um símbolo de toda uma geração.

Tempos depois, o Nirvana ainda retribuiu seu “modelo infantil” com uma cópia em platina de “Nevermind”. A revista Rolling Stone, no aniverário de 10 anos do álbum, pegou o mesmo Spencer e repetiu a foto, desta vez com o guri nadando em direção a uma nota de dez dólares.

Sátiras da capa famosa também foram produzidas pela Rolling Stone, uma vez usando Bart Simpson como o bebê
, e outra, desta vez já da RS Brasil, usando Homer como o bebê.

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Por falar em André Forastieri, apresentei aqui no blog a primeira crítica do disco produzida no Brasil, justamente escrita pelo cara, na época editor da Bizz. Para finalizar este post, que vem saciar mais a minha nostalgia por Nevermind do que por qualquer outra explicação jornalística, coloco de novo a resenha do Forastieri, boa e polêmica como poucas conseguem ser:

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"Esses caras vão nos enriquecer." Bruce Pavitt, dono da gravadora Sub Pop, sobre o Nirvana. Na BIZZ 6O, junho de 90.

Ou seja: o fato do Nirvana ter vendido mais de 2,5 milhões de cópias só nos EUA e desbancado Michael Jackson do alto da Billboard não deve surpreender você, velho leitor de BIZZ. Como diz aquele slogan da nossa colega corporativa/concorrente eletrônica, você viu antes aqui.

Mas as vendas que se danem. A questão fundamental é, como sempre: vale a pena desembolsar aquela suada bufunfa para comprar Nevermind?

Se você gosta de Pixies ou Damned ou Stooges ou Kinks/Who ou Gang Of Four fase Entertainment! ou Mudhoney ou rock de garagem sessentista ou qualquer tipo de hard rock áspero, puto e sem polimento, vale. Principalmente, se você gosta de punk californiano politizado, vale a pena. Vale vale vale. Compre três, dê um para o seu amor e outro para o seu melhor amigo.

OK, segunda questão - e aí é papo de jornalista, de gente que está tentando entender o que se passa no universo adjacente e não se limita a curtir as coisas (não que só curtir seja limitante, mas compreender é o nosso emprego e a nossa obsessão - ou pelo menos deveria ser). Pergunta 2: que significa a velocidade warp com que o Nirvana saiu dos cafundós do estado de Washington para os corações, as mentes e os toca-discos do público americano, quiçá mundial?

Significa que punk's not dead, oba! Quinze anos depois, os espertos da nova geração assumiram o punk como sua melhor representação musical. É, o Nirvana é punk, sim, punk paca - ainda que seu vocalista-letrista-guitarrista Kurt Cobain, 24, seja muito novo para ter curtido punk na época.

E punk não só na avalanche animalesca de distorção e hormônios que jorra dos instrumentos. As letras também são violentíssimas, negras, radicais mesmo (sem escorregar para o niilismo burro que impera no underground americano). Falam de amor, sexo, preconceito, inteligência; do estado das coisas e do sentido da vida. Confira "Smells Like Teen Spirit", sobre a apatia teen, que está traduzida nesta edição... mas a melhor mesmo é "Breed". É, segundo Cobain, sobre "Ser de classe média, casar jovem, ter filhos, assistir TV toda noite - e detestar tudo isso".

A década de 90 já tem seus Dead Kennedys - e desta vez, eles estão no topo das paradas.



André Forastieri, março de 1992
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Créditos fotos: Rollingstone.com
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